sábado, 4 de outubro de 2008

Do tripé, o menor(*)


Em todas as discussões sobre o tripé ensino – pesquisa - extensão que acontecem no meio acadêmico, em especial na UNB, que é no qual eu me situo, o pé em que se apóia a universidade chamado extensão é deveras esquecido. Sempre é citado, como várias coisas na vida por uma índole utilitarista o são, puramente por configurar um apoio necessário. Mas ele na maioria das vezes não é aprofundado. E em minha humilde análise, de forma equivocada.

A extensão representa, e ai entra muito de minha ideologia pessoal, uma das grandes finalidades da universidade: produzir de modo a contemplar as demandas da sociedade (e que no Brasil não são poucas). Ela é o canal pelo qual estudantes e professores irão não só testar seus conhecimentos e tornar a teoria uma prática, mas também irão contribuir de modo significativo para a construção de um sentido social para as ações acadêmicas. É assim, ao meu ver, que se constrói uma universidade democrática, virtuosa e de qualidade.

Não que eu queira com esse texto estar desmerecendo os outros braços da universidade. Acho que os dois são de extrema importância, mas em níveis iguais. Tanto o ensino (pois é a iniciação de um pesquisador ou de atuante de extensão) quanto a pesquisa (afinal, nós precisamos reciclar as linhas de raciocínio que orientam os rumos das ações dentro e fora da universidade) devem receber atenção. Também não quero desmerecer àqueles acadêmicos ou envolvidos que têm finalidades nesses três campos diferentes dos meus, afinal, vivemos em um regime democrático que nos permite fazer esse tipo de debate sadiamente.

Mas respondendo à essas polêmicas que eu levanto, eu só posso defender que a extensão não recebe a importância e atenção que originalmente lhe foi atribuída, tanto como espaço de construção pessoal, no que toca o aprendizado, quanto no espaço social, em que a ação da extensão se configura como construtor de pontes entre sociedade e universidade, muitas vezes separadas por um enorme abismo.

(*)Jeronimo Calorio Pinto
Estudante de Comunicação Social - UNB
Membro da Diretoria Administrativa do CACOM
Membro da União dos Estudantes Independentes

4 comentários:

Luiz Gustavo Aversa Franco disse...

Excelente contribuição Jero!
Como você mesmo disse, Ensino, Pesquisa e Extensão são as três pernas do tripé que sustenta a universidade. E um tripé pressupõe equlíbrio, o que não se vê na UnB como você sabiamente constatou. Sem dúvida é preciso um maior grau de atenção à extensão para a melhoria da universidade como um todo.

Paraná disse...

O texto do Jero motivou discussões do blog do prof Marcelo Hermes, o ciência Brasil.

http://cienciabrasil.blogspot.com/2008/10/extenso-universitria-o-primo-pobre.html

veja os questionamentos levantados por um professor.

Sobre o Tripé: ENSINO-PESQUISA-EXTENSÃO na Universidade.
Mito e realidade
Prof. Juan José Verdesio
UnB- FAV e GEA
Email verdesio@unb.br

Vocês conhecem algum professor que faça estas três tarefas simultaneamente e com um nível de qualidade alto em todas as três?

Provavelmente não. Eu não conheço. Ou eles estão muito escondidos e tão atarefados que não os percebemos ou é um mito que um docente universitário possa efetivar realmente estas três tarefas ao mesmo tempo.

Eu me inclino pela vertente de que é impossível pretender este tripé numa mesma pessoa. Se isto é verdade explicaria, em parte porquê a Extensão sempre é a irmã pobre das Universidades.

Eu abordaria o tema de maneira ampla. Será que deveria ser coercitivo de que um cargo docente, obrigatoriamente deva ser pré-enchido com atividades docentes, de pesquisa e de extensão? Será que existem seres humanos capazes disto?

Se olharem no nosso entorno universitário perceberemos que existem excelentes professores e péssimos investigadores, péssimos docentes e excelentes pesquisadores. Alguns são excelentes na docência e na pesquisa. E alguns são excelentes na Extensão e horríveis na docência para universitários e na pesquisa.

Vejamos agora o que seria Extensão. Usei a a definição da Wikipedia na qual eu concordo que é a seguinte:

“É um conceito adotado pelas universidades (especialmente no Brasil) que se refere ao contato imediato da comunidade interna de uma determinada instituição de ensino superior com a sua comunidade externa, em geral a sociedade à qual ela está subordinada. A idéia de extensão está associada à crença de que o conhecimento gerado pelas instituições de pesquisa deve necessariamente possuir intenções de transformar a realidade social, intervindo em suas deficiências e não se limitando apenas à formação dos alunos regulares daquela instituição.”

Vejam que na intenção do constituinte (está na Constituição por incrível que pareça) há o pressuposto de que a Universidade detêm um conhecimento que pode ser qualificado de “correto” “apropriado”, “sábio” e que a comunidade é uma entidade separada da universidade que necessita ser “iluminada” por esse conhecimento e assim se transformar numa outra sociedade mais justa, menos “deficiente”. Será que isto é verdadeiro? Não será que a sociedade a qual nos dirigimos nós, desde o alto de nosso pedestal com nossa sabedoria, não necessita de nós para saber o que lhe convêm?



Esta dúvida gerou outras correntes de pensamento do que deveria ser a Extensão. Considerando que a sociedade “externa” a universidade possui um conhecimento que não é para ser desprezado, surgem as correntes chamadas de extensão participativa. Quer dizer, valorizamos o conhecimento existente da comunidade sobre a qual estamos tentando agir com nossa luz. Ou seja, a extensão não seria um caminho de luz num só sentido. Há dois sentidos de transmissão de conhecimento que pode ser aproveitado pelos dois lados: universidade e comunidade. Ou se já, os universitários perdemos a arrogância de achar que somos os donos da verdade e nos enriquecemos com as verdades da comunidade para, juntos tentarmos solucionar os problemas de uma maneira menos autoritária.

Vejam que na definição colocada mais acima de Extensão se diz: “especialmente no Brasil”. Provavelmente por desconhecimento do resto da América latina o autor da definição esqueceu que este conceito do tripé surgiu após a revolta dos estudantes de Córdoba e que este conceito de Extensão universitária só vicejou por aqui, na América latina e que não surgiu no Brasil, mas na Argentina.

Será que fora da América latina a Extensão universitária é algo que exista no conceito anterior? No mundo anglo-saxão o conceito de Extensão universitária é outro completamente diferente. É um conceito ligado aos cursos continuados dirigidos aos já formados. Ou seja os cursos de atualização ou de re-encaminhamento profissional para egresados que queiram se atualizar. Nada a ver com mudar a sociedade. Na Europa este fenômeno de a Universidade querer mudar a sociedade só vingou nas Universidades onde as ideologias de esquerda se enraizaram dentro do corpo acadêmico. Parte-se do princípio de que há mudanças possíveis na sociedade através de ações voluntárias dos estudantes e dos professores.

Voltando a utopia do tripé Ensino-Pesquisa-Extensão me lembrei de um livro de 1972 escrito no calor da discussão das revoltas universitárias na Europa de 1968. O título é A face oculta da universidade escrito por Vladimir Kourganoff e editado em Portugal por Lello & Irmão Porto 1989. O autor analisa exclusivamente a universidade da França

Se referindo a estas universidades francesas o autor faz uma análise exaustiva dos problemas que são encontrados, entre outros, pela ambigüidade de funções entre a docência e a pesquisa. Ele nem se refere a Extensão porque ela não se pratica na Universidade francesa com o nosso conceito de “modificador da sociedade”:

“A insuficiência dos «recursos», as estruturas desfavoráveis e a deficiente formação secundária, que são evocadas a maior parte das vezes para explicar ou desculpar as carências do Ensino Superior, nem são as únicas nem as mais importantes causas dessas carências.
Existem causas mais escondidas, mais desconhecidas, que entranham as suas raízes em certas tradições caducas relativas à organização da profissão universitária.
Às principais carências da Universidade face à sua função formadora são devidas a essas causas ocultas, a mais importante das quais é um modo de ligação anacrônico e ineficaz entre o ensino e a investigação. Este «acasalamento», que se inscreve tanto nos estatutos oficiais como nos estatutos tácitos da profissão, é simbolizado pelo termo, de origem relativamente recente, mas que rapidamente se tornou muito usual, de docente-investigador.
A carreira descrita por esse termo é a de um universitário que exerce as funções de docente ao mesmo tempo que se dedica (individualmente ou em grupo) a trabalhos de investigação.
Essa carreira é portanto caracterizada por uma mistura de duas funções completamente diferentes, pois, como já mostramos no capitulo 2, ensinar e fazer investigação são duas atividades distintas e irredutíveis uma à outra.
Mais grave que a dualidade das funções do docente- -investigador é a ambigüidade, a ausência de divisão nítida, entre as obrigações face ao ensino e face à. investigação. Esta ambigüidade permite todos os desequilíbrios, todos os abusos e todas as negligências, claras ou escondidas, de uma das funções em proveito da outra.
Mas essa ambigüidade, já perigosa por si própria, torna-se francamente nociva ao combinar-se com o duplo efeito do culto da investigação e do desprezo do ensino, que confere às prestações de investigação um prestígio muito superior às prestações de ensino.

Alguma conexão com a nossa realidade?. Clareo que há. Há uma ambigüidade enorme que nos rodeia. Tanto é assim que, para evitar pseudo-docentes que só ensinem se estabelecem regras rígidas de número mínimo de horas/aula por semana na graduação. A última norma foi editada pelo nosso Reitor pro-tempore para fazer bonito.

Sem mais delongas. Seria um pecado mortal começar a pensar de que é um mito o tal do tripé ensino-pesquisa-extensão e que é impossível de ser realizado na sua plenitude? Não seria melhor começar a re-pensar a Universidade para que estas três funções sejam melhor equacionadas, não necessariamente numa só pessoa. Também seria bom repensar todo o conceito de extensão Universitária. Será que é a Universidade aquela instituição tem que difundir e tornar acessível o conhecimento gerado nela no resto da sociedade sem formação universitária ou será que não tem modelos melhores. A EMBRAPA, por exemplo, funciona como geradora de conhecimento e a EMATER como extensionista desse conhecimento. São duas instituições separadas que, as vezes dialogam. Será que não haveria um modelo melhor semelhante a esse com centro no município e que faça parte das atividades mais locais das comunidades sendo a Universidade colaboradora e não gestora?.

Que tal começar por tentar responder estas questões no lugar de reclamar por mais verbas para a Extensão.

Vai outra citação do livro anterior. Vejam se não é atual:

O ESQUARTE.JAMENTO DO DOCENTE-INVESTIGADOR AUTÊNTICO

Sou um homem arrasado, submerso, um homem cada vez mais preocupado por ver que não consegue cumprir convenientemente, por falta de tempo, falta de forças, falta de liberdade de espírito, as suas... obrigações.
O decano B. Guyon.

O ensino e a investigação, sendo duas atividades tornadas atualmente incompatíveis, por todas as razões que analisamos no capitulo 2, aquele que por gosto ou por consciência profissional tenta desempenhá-las ao mesmo tempo, como docente-investigador autêntico, encontra-se numa situação de tensão dificilmente suportável.
O caso de um monitor, assistente ou mestre-assistente que tenta cumprir honestamente as suas funções de docente e que prepara ao mesmo tempo uma tese de terceiro ciclo ou uma tese de Estado é um caso clássico desse esquartejamento.
Para os mestres de conferência e os professores, a dificuldade de praticar ao mesmo tempo o ensino «elementar» e a investigação permanece, e agrava-se pelo fato de que a essas duas obrigações se acrescentam as de gestão de laboratório e de participação ativa em vários conselhos, assembléias, comissões e comitês de caráter mais ou menos administrativo.
O esmagamento produzido pela comitite (ou, se se preferir, pela «reunite)) tomou proporções cada vez mais inquietantes desde Maio de 1968 e desde a aplicação da «lei de orientação». Desde esse momento numerosas horas são desperdiçadas em palavras estéreis nas diferentes reuniões, comissões, assembléias ou conselhos instituídos para dar aos estudantes ou às personalidades extra-universitárias ocasião para uma maior participação. Numerosas horas são desperdiçadas, tanto para a investigação como para o ensino, em reuniões consagradas a maior parte das vezes às discussões de caráter administrativo e, no melhor dos casos, ao exame de candidaturas para as diferentes promoções, e que ignoram o essencial dos problemas científicos ou pedagógicos.

Postado no Blog Ciência Brasil.
8 de Outubro de 2008 17:29

Paraná disse...

Resposta do Paraná no blog Ciencia Brasil em relação a discussão levantada pelo Prof. Juan Verdesio

Interessantíssimo o post do prof. Juan José Verdesio.

Primeiro pq responsávelmente traz uma série de questionamentos negligenciados no trato da questão e segundo pq o faz com extrema clareza e coerência.

Quando falamos de ensino, pesquisa e extensão não defendemos à priori que todos na Universidade exercem as três funções. Mas acreditamos sim que as três funções devem ser exercidas na e pela Universidade.

É claro que isso entra no corpo de uma discussão muito mais aprofundanda que não convém ser promovida apenas por blog, mas não acho que a Universidade poderia passar a função de EXTENDER os conhecimentos produzidos em seu interior para outras instituições. Na minha opinião, não tão bem embasada quanto a do professor, a própria etimologia do termo UNIVERSIDADE já elucida aluguns pontos com relação a seu ethos fundacional e estado de arte. Isso serve também para o conceito platônico de ACADEMIA. Esses dois termos trazem em seus bojo a idéia de investigação da existência, amor ao conhecimento, elevação do ser e busca do encontro com o universo, o entendimento e enganjamento do homem face o cosmos.Com o advendo da sociedade Industrial e em especial após o fortalecimento dos paradigmas iluministas e positivitas essa idéia sofreu algumas claras modificações, mas de maneira geral permanece na definição ideal do que seja UNIVERSIDADE, pelo menos assim eu penso.

Desse modo, sem ser reducionista, acredito que é parte do "ser" da Universidade o contado direto com socidade pela qual existe. E aí retomo o que o Sr. disse sobre o verticalismo da extenção. Acredito de fato que ela deve ser uma via de mão dupla...Não somos os donos da verdade; podemos e devemos receber conhecimentos da sociedade. A ciência como sabemos é só mais uma forma de conhecimento. E conhecimento não se heiraquiza, apenas se diferencia.Assim a via de mão dupla se traduz num colaboracionismo construtivista onde nossa parte é entrar com o conhecimento erudito, cientifico, humanistico e técnico para receber outros tipos de conhecimento uteis à sua oxigenação, renovação e razão de ser.É claro que isso é só uma simplicação...a troca é muito mais complexa, dinâmica e hibridizada.

A extenção,portanto, fortalece o ethos humanístico da Universidade. Se universidades Anglo-Saxãs não há tem...ousadamente diria que precisam se repensar enquanto Universidades. Mas acredito que elas têm sim...Apenas aplicam a temática sob outros meios e valores. Pois uma universidade, nos termos em que acredito, não existe sem esse contato de via dupla. Nesse caso é uma escola técnica,um instituto cultural, instituição de ensino, instituto de pesquisa, qualquer coisa, menos uma universidade na acepção que aqui tomamos.

De fato acredito que por motivo de eficiência há que se ter especialização de funções dos profissionais, nenhum profissional precisa se dedicar completamente ao todas as pernas do tripé, mas isso também não pode ser motivo para cairmos num utilitalismo mecanizado que inviabilize a reflexão do crítica do que fazemos e produzimos. Não podemos deixar de pensar a função da produção e divisão do conhecimento. Justamente por isso acredito que a universidade deve sim abarcar as três pernas do tripé e fortalece-los em pé de igualdade, ainda que especializando funções ou revendo essa relação de divisão do trabalho.

Na realidade brasileira, atualmente o tripé está seriamente desequilibrado, e a extenção está especialmente esquecida. Na minha opinião, isso se deve principalmente a idéia utilitarista, profissionalizante e pouca filosófica do que acreditamos ser uma universidade, isso advém da realidade de composição sociológica da sociedade contemporânea. Pensar a universidade filosóficamente não significa abandonar as pesquisas de valor pragmático-científico, mas pensa-las a luz do que significam e o porque são produzidas.

Nesse caso, discordo profundamente da visão de que conselhos, palestras e explanações são perda de tempo.
O trecho "Desde esse momento numerosas horas são desperdiçadas em palavras estéreis nas diferentes reuniões, comissões, assembléias ou conselhos instituídos para dar aos estudantes ou às personalidades extra-universitárias ocasião para uma maior participação" soa completamente desconectado com o valor de universidade que aqui apresentei. Essa perspectiva negligencia a busca da cidadania, da reflexão e construção coletivas e do valor primordial do que significa o conhecimento humano. É utilitarista, mecanizada e fechada. A participação e discussão coletiva, longe de perca de tempo, representam comprometimento com o pensar e com a humanização do conhecimento.

Em uma universidade fechada poderíamos fazer essas discussões apenas via blog e olhe lá...em uma universidade aberta fazemos responsavelmente via conselhos.Essa altamente construtivo, didático e formador, além de ser bom para Universidade.

Quanto o Sr. cita o exemplo da relação entre EMBRAPA e EMATER não posso deixar de observar que isso tem uma série de peculiaridades que afastam muito da realidade da universidade. A EMBRAPA não tem o papel de formação de profissionais de diversas áreas para o mercado, a EMBRAPA não se propõe a pensar humanisticamente o conhecimento e trabalhar sobre uma pespectiva de FORMAÇÃO humana, a EMBRAPA não está centrada na didádica do ensino. Como digo, a relação do tripé é deveras complexa por se inserir na perpectiva do estado de arte da Universidade e aqui não há como ensinar sem extender e não há como extender sem ensinar...Não da pra pesquisar sem discutir e não dá pra discutir sem pesquisar. Na minha visão isso é indissociável. Se separarmos ou hierarquizarmos os tripés podemos tranformar as universidades em outras coisas que não universidades. Mas aí a discussão é outra.

Espero ter contribuido à discussão.
Peço desculpas pelas redundâncias e erros de português. É a pressa. heehe

Forte abraço,

Paraná.

Edemilson Cruz Santana Júnior (Jornalismo - Universidade de Brasilía)
Membro da União dos Estudantes Independentes
Centro Acadêmico de Com. Social
Conselheiro do Consuni

Postado no Blog Ciência Brasil
9 de Outubro de 2008 14:15

Jeronimo disse...

É bom saber que o texto levanta a discussão.

Ótimo questionamento do professor Juan José Verdesio.

Ótima resposta também, Paraná. Contempla boa parte do meu pensamento sobre o assunto e reflete sabiamente a realidade da Universidade e da Sociedade de hoje.